quinta-feira, 11 de abril de 2019

Ainda tomo café da manhã na padaria

De todos os meus pequenos e vaidosos hábitos paulistanos venho me desfazendo ao longo dos anos.
Dos orgulhos bobos de 'pertencer' à grande babilônia.
Os bairrismos, futebolismos e ganguismos da cultura desvairada duma paulicéia transtornada foram perdendo o sentido conforme fui me afastando fisicamente de toda essa insanidade, morando em outros Estados, vivenciando intensamente as cidades por onde tenho escolhido morar.

Já não me demoro mais 6h de congestionamento descendo a serra para chegar ao litoral, já não me permito mais sofrer nem meio minuto parado no trânsito insano de qualquer capital, já não me presto a ver aquelas caras pálidas, cansadas, doentes e raivosas logo as 5h30 da manhã na estação do Metrô Bresser em direção à Barra Funda.

Dos poucos hábitos paulistanos que ainda me restam
Por vezes me sinto solitário,
Muitas vezes taciturno,
O coração ainda sofre, enganado como um corinthiano,

Tô bem longe de onde nasci, tô bem longe de todas as pessoas que conheço, às vezes me sinto tão longe que eu mesmo demoro pra me reconhecer.
Às vezes as pessoas novas que vão surgindo na minha caminhada acham que me conhecem, julgam me conhecer e acreditam saber o que é melhor para mim. Se decepcionam pouco tempo depois, quando percebem que para me conhecer de forma mais profunda é preciso antes não querer saber absolutamente nada sobre mim.

Troquei lasanha por macaxeira, troquei espagueti à bolonhesa por cuzcuz com charque, troquei pizza por tapioca, troquei pastel de feira por 'bolo de rolo', troquei nicotina por cannabis e às vezes troco cerveja por guaraná do amazonas. Contudo, continuo magro, magricelo, raquítico e a saúde continua exatamanente igual, quiçá a cabeça um pouco mais bagunçadinha.

Perdi o interesse pelas festas, multidões e agitações noturnas.
Ainda sou boêmio, mas já não frequento os bares pelos caminhos onde passo.
Saio meio agitado, turbulento, no início da madrugada, calça social dobrada até o joelho, pés descalços, camisa branca e sempre um chapéu escondendo milimétricamente meus olhos.

Caminho sozinho, andarilhando as ladeiras e becos de paralelepípedo, pisando séculos de história com meus magricelos pés nús, sentindo acordar gritando a cidade antiga enquanto as pessoas dormem tranquilas em suas casas.

Subo outra ladeira, uma curva de terra e estou no pé dum farol.

Fico ali em silêncio, pitando minhas ilegalidades, vendo amanhecer o dia litorâneo, observando o Sol nascendo do outro lado do oceano, silencioso dia, sem trânsito, sem barulho, sem rostos estressados.
Apenas eu, sozinho, atônito, por vezes catatônico, de andada.

E no final de cada noite, ao rompre do dia, posso me alimentar bem em casa ou na casa de alguém que porventura eu esteja visitando, não importa, assim que saio na rua, a primeira coisa que faço, pra não perder o único hábito paulistano que ainda preservo, vou direto tomar café da manhã na padaria.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2019

Como me sinto na borda da piscina

Ela deu boa noite, sorriu, entrou no táxi e foi-se embora.

Antes disso houve um afago, mãos quentes e leves roçando a cara deslavada, a palma macia da mão acariciando a maçã ossuda do rosto maguinho, a ponta dos dedos finos embrenhando-se na barba rota.

Antes disso houve um beijo, pareceu-me o último, pareceu-me o primeiro, tinha mesmo o mesmo jeitão estranho de primeiro beijo, quando os lábios não se conhecem, só que menos intenso, um pouco mais salgado, num pulso de coração aflito em alívio.

Antes disso os olhares se cruzaram longamente e muitos caminhos se revelaram naquelas retinas cristalizadas pela noite opaca de temperatura amena.

Antes disso, turbilhão.

No meio da tempestade me acalmei, fiz do mar revolto uma piscina, sentei na sua borda e sacudi os pés brincando de fazer ondas, escolhendo frequência, ritmo, intensidade, volume.

Antes disso - ou foi depois - dormi na rede.

O ar pegado sacudia a rede como se fosse ínfima galé em ondas densas, mareado foi que dormi na rede.

- E antes, meu amor?
- Antes ainda? Amor!
- E antes, meu amor?
- Antes ainda?
- O que te parecia? O que te parece agora?

Antes era mar, era intenso, era ilimitado, me parecia profundo.
Mergulhei mesmo de ponta, estava com água até as coxas e mesmo assim pulei de ponta no pontal, feliz ano velho, parecia-me que era mar e era mesmo piscina.

Antes disso, pensei ser navio, antes era eu depois era você, o navio e três âncoras te segurando. Pareceu que quando a maré ficar mais intensa vão aparecer mais âncoras.

E assim fica a embarcação segura?

Fica ancorada, fica presa.

Antes disso, feliz ano velho, pulei de ponta, me afoguei.

Depois de tudo sou água, sou mar, ondas revoltas, sem borda, sem limites, sem âncoras, vou e vou e continuo indo, fluindo.

E antes disso, ou depois, lembro do teu último olhar de temperatura amena.
E retinas cristalizadas.
Mais profundo que a existência, sem bordas, infinito.
Mergulhei de ponta.
Antes, agora, depois.
Atemporal.

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

Meio mar

Escrevo mesmo no escuro - é verdade -
Não me importo
Escrevo mesmo o que sinto
Não me incomodo
Penso mesmo em teus olhos
Não me furto
Desejo tenho de teu afago
E bagunçar teu cabelo
E borrar espalhafatosamente
Este baton vermelho insano
Que emoldura teus lábios
Está longe, um aquário
Estou perto, um mar
És fortaleza
E eu, deriva
Um cabo me segura
Enquanto meu desejo
Navega em ti

Sonhei, acordei


Sonhei, acordei

Sonhei com um farol
Estava caminhando no escuro
Havia uns pedregulhos
Havia algumas arvores
Não estava perto do litoral
Caminhava sozinho
Sem sombra, sem cachorro
Caminhava em silêncio
Algum som cadenciado me acompanhava
Um ritmo constante
Um som que vinha ao longe
Na solidão e no escuro
Havia alguma aflição no peito
Com esforço respirei fundo
Com esforço respirei fundo
Era como se estivesse me afogando
Não havia água no sonho
Caminhando sozinho no escuro
Tropecei numas tralhas à minha frente
Baixei e tateei no escuro
Queria identificar aqueles objetos
Segurei aleatoriamente algo em minhas mãos
Era algo pequeno que coube na mão fechada
Quando olhei era um pequeno farol
Era transparente e brilhante
Era um farol completo
Parecia um pequeno chaveiro de cristal
O farol estava vivo
Pulsava sua luz interna
Era como se estivesse respirando
Em silêncio
Lembro de todos os detalhes daquele farol
Será que existe este farol em algum lugar?
Será que o sonho era um sinal, um farol.










Foto

sábado, 17 de fevereiro de 2018

Reflexões de Momo

Lá pelas minhas 6' Série, quando fazia o ginásio num colégio ali na Baixada da Égua, Zona Sul de São Paulo, tinha um professor muito chato, muito chato mesmo.
Desde que pus os pés em Olinda tenho me lembrado muito dele e de algumas passagens que vivenciei durante vários anos de aula com ele e pra variar feito algumas reflexões.
O fato é que além de chato, ele era ultra-autoritário e não tinha tino nenhum com qualquer aluna ou aluno, na época eu achava ele velho, eu tinha 11 e ele devia ter uns 40 e poucos anos e ficava realmente possesso com qualquer bagunça ou falatório durante a aula, principalmente da Turma do Fundão.
Como era costume à época, ficávamos inventando milhares de apelidos para o tão querido professor, ele ficava irritado com todos.
O fato é que em algum momento, algum aluno soube que o tal professor era Pernambucano e ele passou a ser chamado de "Boneco de Olinda".
Em SP, naquela época havia (ainda há) um preconceito gigantesco com quem é de fora, principalmente o povo Nordestino e usar termos perjorativos era bem normal, hoje, depois de mais de uma década fora daquela babilônia, eu percebo claramente.
Soma-se à isso o fato de que também era muito comum todo tipo de zoação, humilhação e muitos socos e pontapés entre os alunos nos colégios públicos, não tínhamos a mínima noção do que hoje chamam bullying e a lei era do quem pode mais chora menos.
Incrível como normalizamos os preconceitos sem nem nos dar conta, mas voltemos ao professor que em determinado dia, realmente cansado de ser chamado daquela forma, um dia entrou na sala de aula e escreveu na lousa com letras gigantes: "BONECO DE OLINDA".
A classe ficou em silêncio, ele estava realmente com uma cara de furioso, uns poucos risos de desafio ainda ecoaram da turma do fundão antes que ele fizesse uma pergunta:
- Alguém aqui na sala sabe o que é um Boneco de Olinda?
Silêncio sepulcral.
Não vou me lembrar as palavras exatas dele, mas lembro do sermão, nunca vi ele tão calmo na vida, contou a história dos Bonecos Gigantes, contou muito sobre o carnaval de Olinda, levou algum livro com umas fotos pra mostrar o boneco gigante, enfim, deu uma puta escovada na gente.
Explicou a magia dos Bonecos em Olinda e disse que ele se sentia muito honrado em ter este apelido porquê em Olinda não é qualquer pessoa que se torna Boneco Gigante.
Eu achei massa o tipo de sermão, ele era professor de geografia e no final das contas percebo que em 4 anos de aulas com ele, aquele dia foi a melhor lição que ele deu.
Foi excelente porquê naquele dia ele conseguiu quebrar em mim uma grande barreira, mas apesar de toda a explicação ele continou sendo um professor chato pra caralho, insuportável mesmo e cada vez mais autoritário.
Embora alguns moleques ainda o chamassem de 'Boneco de Olinda' acabamos inventamos outro apelido pra ele, nem lembro qual, mas sei que este professor se tornou o inferno na terra, até que lá pelo final do ano letivo da 7' Série ele não aguentou as provocações e saiu no soco com 3 alunos ao mesmo tempo, dentro da sala de aula. Eu que já era ninja na época e pulei fora da minha carteira antes que os 4 caíssem por cima de mim, foi muito doido este dia.
Saldo final é que os alunos foram expulsos do colégio, acho que só um continuou estudando lá, mas perdeu o ano letivo.
No ano seguinte o professor ainda teve novos problemas com outros alunos até que em algum dia o carro dele apareceu com os 4 pneus furados e com a pintura toda riscada. Isto foi no ano em que concluí a 8' Série e eu já estava com 13 anos, maduro e preparado para enfrentar o Colegial, gostei tanto do Colegial que eu demorei nove anos para concluir saporra.
Hoje faço algumas reflexões sobre isto:
A mais importante e assustadora é perceber o quanto o preconceito está arraigado em SP e a gente nem se dá conta, mesmo entre a galera que tem uma postura mais libertária ainda existe um série de preconceitos que nem se percebe, eu ainda devo ter alguns deles mas ter saído de SP me deu a oportunidade de perceber isso de fora, de outro ponto de vista, sou grato por isso!
A segunda reflexão é ver o quanto este clima de intimidação, agressividade e cultura de preconceitos e zuação entre a molecada no colégio foi danoso psicológicamente para várias amizades e para mim também, claro, tanto que hoje ainda penso profundamente sobre isto.
Foram milhares de horas de aula e recreios perdidos, com apelidos escrotos, piadas sobre a aparência, a cor da pele, o tipo de cabelo, se era muito magro, se era muito gordo, se era muito preto, se era muito branco, e quem tinha nascido fora de SP sofria isso tudo em dobro, tudo era motivo para piada e a qualquer instante poderia virar cascudo e a qualquer instante poderia virar surra ou coisa pior.
Eu tive poucos apelidos na época do colégio, o que pegou mesmo foi 'Magrão' que até hoje é usado pelas amizades antigas, os apelidos não me intimidavam muito então geralmente os moleques queriam me bater mesmo, tomar o lanche, essas paradas, aí eu tinha que brigar porquê meu pai dizia que se eu apanhasse na rua, iria apanhar em casa de novo, aí eu tinha medo de apanhar do meu pai, né, porquê já tinha visto ele batendo num irmão meu e não foi nada legal.
Por isso eu ficava feliz quando chegava um aluno de outro estado, porquê assim os moleques paravam de me zuar por umas semanas e eu podia ficar no meu canto sossegado.
Que bom que o ser humano tem capacidade de evoluir, que ruim que nem todos perceberam isso ainda.
A terceira reflexão é que estando em Olinda eu vi e vivi um pouquinho deste real encanto do Homem da Meia Noite, ouvi algumas histórias e vi dezenas de Bonecas e Bonecos Gigantes, teve um dia do Carnaval em que houve um encontro com todos eles e era justamente o Calunga que vinha abrindo o cortejo de frevo.
Então, realmente o professor estava certo, os Bonecos Gigantes são festejados , reverenciados e cultuados aqui, é uma loucura, a galera sobe e desce as infinitas ladeiras daqui carregando e frevando este Boneco que pesa mais de 40 quilos, não sei como conseguem.
Isto me leva à última reflexão importante, o tal professor nunca deveria ter sido chamado de Boneco de Olinda, este apelido é uma homenagem muito grande pra um cara tão escroto como ele.
Fim.
'O Estudo é a luz da vida, não estude, poupe luz!'
- citação preferida do ginásio nos fins dos '80.

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

Rolo na feira

Hoje voltei na Feira do rolo de Peixinhos, fui de bici e chinelo pq aqui é assim o jeito mais agradável de pedalar neste calor manerinho.

Cheguemo na feira e vi numa lona uns tênis usados, aí tinha um tênis massa demais que eu sempre quis, fiquei encantado, perguntei o preço, o vendedor pediu R$ 10,00, ofereci 5 e ele aceitou, quando fui ver, só tinha 4, ele aceitou assim mesmo.

Calcei o tênis na hora e fui desfilar ele enquanto via outras cousas na feira do rolo.

Passado uns 15 minutos, um tiozinho me para e pergunta quanto eu quero no tênis.

Olhei incrédulo e perguntei:

- Você quer comprar o tênis do meu pé!?

- Claro, ele é massa, visse!? Quer quanto?

- Ah, só se for por R$ 10,00!

- Fechado! Ele concordou tirou a nota do bolso e me entregou.

- Sentei no chão, olhei com carinho de despedida pro tênis, tirei, entreguei pro tiozinho e calcei minha chinela de volta.

Foi massa, o tênis que eu quis a vida toda era tão massa que em 15 minutos ele valorizou 60% na minha mão, ou neste caso, no meu pé!

Acho que se nada der certo vou virar roleiro nessas feira tudo!

Pássaro tempo

Desenhei cal-ma-men-te as pequenas e coloridas palavras. 
Escolhi tamanho, formato, cores, espaços em branco e o tempo.
O sentido, não! 
Desenhei arabescos, o vento
e ca-da sí-la-ba das palavras que formam as ondas.
Encolhi sentimentos até escondê-los nas entrelinhas.
Sem sentido, tato, olfato.
Tempo passado, presente, passando, passado.
Cal ma men te desenhado.
E sem necessidade de fazer sentido.
E voou o tempo, o pássaro e algo mais.