sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

Vivo, morto. Morto, vivo!

Quando era moleque e trabalhava como officeboy em SP uma das coisas que mais gostava no centrão era ver artistas de rua, sempre deixava umas moedas lá.
Tinha gente fazendo mágica, lutando, dançando, fazendo malabarismo com fogo.
Tinha repentistas de todos os tipos, os tradicionais com chapéu de couro e gibão, os que faziam batalhas maneiras e originais, outros apostando em rimas com palavrões pesados e recheadas de 'elogios' à mãe alheia e uns que faziam rimas de graça duvidosa (geralmente preconceituosa) zuando de improviso as características da galera que estava na roda vendo as apresentações, era legal quando zuavam a pessoa desconhecida ao seu lado, mas quando zuavam algum defeito seu era foda porquê você se sentia super-exposto.
Sempre rolava os repentes sobre o homem rico x o homem pobre, o branco x o preto, a mulher bonita x a mulher feia, o palmeirense x o corinthiano.
Tinha os mágicos que enrolavam teu relógio num pano e quebravam na marretada e depois fazia o mesmo relógio surgir intacto de dentro do bolso da pessoa ao seu lado. Faziam truques com cartas e notas de dinheiro.
Tinha lançadores de facas, cuspidores de fogo e uns caras que te faziam segurar o cigarro na boca e usava um chicote gigante e barulhento para destroçar o cigarro em três partes sem esfolar teu nariz.
Tinha mestres de Capoeira, Karatê e Kung Fu, dando piruetas e saltos mortais, quebrando tijolos com a cabeça, caibros com golpes espetaculares e passando num salto por círculos feitos com aros de bicicletas cheios de faca ao redor, esses geralmente tavam vendendo pomada de peixe-boi da Amazônia, óleo de copaíba e sabonete de Juá.
Tinha quem fizesse feitiçarias e adivinhações com umas bonequinhas de plástico presas numa garrafa d'água, conforme o cara dava o comando as bonequinhas subiam e desciam na água respondendo assim qualquer pergunta que você fizesse, tinha gente que encantava serpente e gente que lia o futuro na palma da sua mão.
Todas essas pessoas, segundo suas falas, já tinham se apresentado "na Globo", no Silvio Santos, no programa do Gugú e no Raul Gil e sempre estavam de passagem pela cidade e precisavam duns trocados pra alimentação e pra bancar a noite na pousada.
De todas as milhares de apresentações que já vi repetidamente, a que sempre me lembro era dum cara que tava sempre na Boa Vista e que dava piruetas e fazia truques com cartas, no final do espetáculo, na hora de passar o chapéu ele sempre enfatizava:
"Tô precisando duns trocados porquê eu não tenho nem onde cair vivo, que se fosse pra cair morto eu já caia aqui mesmo"
Ah, pra esse cara eu nunca dava moedas, preferia contribuir com as notas, ficava imaginando a situação do sujeito sem ter onde cair vivo.

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